domingo, 12 de maio de 2013

Retrato de 6 milhões!


"Carta a um Deus desconhecido

Ontem duvidei da existência de Deus.

Não de Deus como um todo, figura omnipresente e omnipotente, mas de um Deus benfiquista. Cada um crê no que quer, naquilo que lhe dá mais jeito, e eu sempre gostei de acreditar que Deus estava connosco, com a maioria. Ontem percebi que não. Que Deus não está para se chatear com merdas destas nem para tomar partidos. Nós, terrestres, que nos entendamos. Mais ou menos como um pai que não se quer meter nas discussões entre filhos, resolvam lá isso entre vocês. Mas ontem, como benfiquista, não pude deixar de me sentir um bocadinho como o filho que acha que é sempre o injustiçado. O desprotegido. O que vai de castigo para o quarto enquanto o outro, o menino querido, fica ao pé dos pais a deitar-lhe a língua de fora. Já percebi que ser benfiquista não tem nada a ver com talento. Nem com raça. Nem com paixão. Temos isso tudo de sobra, mas para que é que nos serve? Ser benfiquista tem a ver com sorte e isso nós nunca temos. Ou temos tão poucas vezes que nem conta. Nos momentos que realmente importam, naqueles que fazem verdadeiramente a diferença, a sorte abandona-nos. Ou então somos nós que não a sabemos procurar, também pode ser isso. Ontem, quando o Jesus se ajoelhou no relvado do Dragão, seis milhões ajoelharam-se com ele. Caímos e ficámos assim, prostrados de desilusão. Não houve sentimentos de culpa, não houve dedos apontados. Houve só um sentimento de descrença e de impotência. Porque é de uma crueldade perder assim. É duro perder com um golo à Porto, aos 92 minutos, quando um empate nos tinha servido tão bem. Nunca comemoro por antecipação. Nunca entro em festejos enquanto as contas não o permitirem fazer com confiança. E por isso fui sempre dizendo. Fui sempre avisando. No meio de tanto entusiasmo e segurança, dei por mim a perguntar-me se seria a única benfiquista pessimista do país ou se, pelo contrário, seria a única com uma enorme capacidade de adivinhação. Já vimos este filme tantas vezes, porque é que desta vez haveria de ser diferente? Porque é que achámos que haveria um final feliz? Porque acreditamos? Porque o desejamos com toda a força do nosso coração? Porque queremos muito? E desde quando é que isso conta? Desde quando é que isso nos faz avançar no marcador? Nós queremos muito, mas os outros também. Desejam-no com o mesmo ardor e a mesma fé. Mas é no relvado que se ganham campeonatos. Pelo menos, é nisso que quero acreditar. A nossa fé pode ser muita, a nossa voz pode elevar-se ao máximo, o nosso amor pode saltar-nos do peito. Mas depois, sem talento e sorte, está tudo lixado. O talento tivemos. Acompanhou-nos o ano inteiro, ao longo de uma época em que provámos ser os melhores. Mas ser o melhor não dá, por si só, direito a nada. E ontem, sem sorte, perdemos tudo. Perdemos um jogo, perdemos o campeonato (não quero saber de mais teorias optimistas), perdemos a fé e, pelo menos eu, perdi um bocadinho do meu benfiquismo.   Porque estou farta de "quases", farta de estar sempre a refazer as contas, farta deste amor desmedido em que é quase sempre dar e receber muito pouco de volta. Um bocadinho do meu amor ficou ontem naquele pedaço de relva onde o Jesus se ajoelhou. Se calhar é só conversa de mulher apaixonada e despeitada, aquela mulher que se farta de sofrer nas mãos de um homem e que passa a vida a jurar "nunca mais". Mas que, depois, volta. Volta sempre. E dá mais uma oportunidade, e volta a iludir-se, e volta a desiludir-se. Porque o amor, já diz o MEC, é fodido, e há amores assim, fodidos e para a vida. O Benfica é um desses casos. Este ano, para mim, acabou. Não volto a enervar-me, a esconder a esperança atrás do pessimismo, a achar que pode ser desta. Que pode ser agora. Que um dia temos de ser nós a ter sorte. É uma treta, nunca temos. Estou zangada com este amor que me falhou uma vez mais, que me prometeu tudo e não me deu nada. Eu sei que vai passar, que faremos as pazes, que haverá uma nova lua-de-mel e tantas outras tempestades. Mas enquanto isso não chega, e já que não tenho um número de telemóvel para onde possa enviar mensagens a dizer "és um cabrão, desiludiste-me outra vez", tragam-me os chocolates e os lenços de papel, que não há conheço outra forma de curar um coração partido. Sobretudo agora, que nem Deus me valhe."


[Do lado de cá também estamos assim. Nem mais nem menos.]

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